De madruga o telefone toca:
- Alô? É seu Carlos, é? Aqui é Uóxinton, caseiro do sítio.
- Pois não seu Washington, o que posso fazer pelo senhor? Aconteceu alguma
coisa?
- Ah, não. Eu tô liganu pro sinhô prá avisá qui seu papagai morreu.
- Aquele meu papagaio campeão morreu? Como morreu?
- Di tantu cumê carne estragada.
- Mas quem foi que deu carne para o meu papagaio comer?
- Ah, foi ninguém, não sinhô. A carne era duns cavalo morto.
- Mas que cavalos, seu Washington?
- Ah, daqueles puro sangue qui o sinhô criava. Eles murreram di tantu puxá
carroça di água.
- Mas que doidera é essa? Que carroça de água?
- Pra apagá o fogo do incêndio.
- Incêndio? Que incêndio?
- Na casa du sinhô… Caiu uma vela e pegô fogo nas curtina.
- Mas vela de que, se aí tem luz elétrica?
- Du velório.
- Velório? De quem?
- Da sinhora sua mãe.
- Minha mãe?!
- Sim, é qui ela apareceu aqui sem avisá e eu dei dois tiro nela pensando qui
fosse um ladrão. “Mas num se preocupe não que fora isso, tá tudu bem…”
Embora engraçado,
este causo narrado pelo “Uóxinton” nos diz muito sobre o que acontece no
ambiente corporativo, seja em empresas privadas ou órgãos públicos.
Trata-se do
tradicional “jogo do contente”, uma artimanha política, da qual muitos se
utilizam para evitar uma exposição que poderia, eventualmente, comprometer suas
posições, funções ou conquistas. Como temem expor suas idéias e ideais, optam
por pausar suas falas, fragmentando o quanto possível notícias que, em sua
opinião, poderiam contrariar o “contente ambiente” hora estabelecido.
Veja que o vendedor
nunca diz, de forma direta, que as metas não foram alcançadas. Prefere o
conforto de dizer que vendeu “quase” todo o estoque ou “quase” todo o número a
ser atingido, ainda que este quase signifique pouco mais que 50% da expectativa
gerada. Quando não menos…
A área que produz
bens e serviços não diz, também, que o projeto atrasou. É mais fácil dizer que
está “um pouco fora do prazo” em função da ausência de determinado recurso que
“alguém” ficou de disponibilizar. Admitir que o erro é da pessoa ou da área
jamais!
A expedição, o
financeiro, o marketing e tantos outros departamentos, usam e abusam dos mesmos
artifícios, minimizando a importância pelo que não fizeram, atribuindo a
responsabilidade a terceiros, sejam estes outras pessoas, outros departamentos,
outras políticas, outros governos.
Todos sabem que
este modelo de discurso muito bem construído, diminui o impacto negativo junto
ao chefe. Assim como também, todos os chefes sabem que é um discurso para
tentar amenizar a desculpa pelo que não fez.
O grave erro do
“jogo do contente” é que, se quem está fazendo o discurso lembrar-se de
valorizar o chefe, a empresa e suas políticas, o resultado pouco importará. E
todos ficam contentes! Só informam que ‘a mãe morreu quando a importância dada
ao papagaio tornou-se o centro das atenções’. A morte da mãe do “seu Carlos” é
o mal menor.
Esse comportamento
e o medo excessivo de expor, é uma constante em qualquer reunião em que estejam
gerentes, diretores e até presidentes. Acontece mais ou menos assim: O presidente
coloca sua opinião, ávido por ouvir os que concordam e os que discordam, mesmo
que a opinião seja a mais descabida do universo – e olhe lá – haverá sempre um
séquito de pessoas que vão concordar, sem ressalvas.
Contudo, haverá
outro grupo quase do mesmo tamanho do primeiro, que ficará em silêncio, ouvindo
em seus íntimos o dito popular que “se temos dois ouvidos e uma boca, é claro
que precisamos ouvir mais e falar menos”. Invariavelmente, estes vão ficar “bem
na foto!”
Por último haverá
um grupo muito pequeno, formado por um, dois ou três colaboradores que não só
vai expor o que pensa como, ousadia das ousadias, discordará do presidente, do
preferido do presidente e, até mesmo do seu chefe, do preferido do seu chefe e
de outros que seguem a linha filosófica de que, “quem não puxa saco, puxa
carroça!”
Se for de fato
isso, devemos repensar a idéia de que a maioria absoluta desses colaboradores
(os que concordam e os que ficam em silêncio) podem estar errados e, por este
motivo, embora correndo o risco de perder benefícios, estão corretos os que
ousam expor seus pensamentos e opiniões – às vezes nadando sozinhos contra a
maré.
Parabéns às
empresas que possuem esses “contestadores” e, mais ainda, apóiam o ambiente
para que eles continuem expondo a fragilidade das idéias construídas com foco –
muitas vezes, em nosso umbigo. Serão poucas as empresas que continuarão
prosperando neste competitivo oceano, de mares vermelhos, azuis e até verdes.
Para as outras empresas, onde o que prevalece é a opinião de um ou de
uns poucos – os que acham que sabem tudo e de tudo – em detrimento do
conhecimento e opinião dos executores de outras áreas, resta-nos
lamentar.
Isso não significa
ser um contestador de tudo e de todos, simplesmente pelo prazer de contestar
ou, até mesmo, de ir contra pessoas, processos e idéias. É preciso ter mente
construtiva para contestar e, também, para apoiar, para recuar quando preciso e
para fazer com que empresas e pessoas cresçam sempre.
Do contrário, mudarão o discurso, os personagens e, no fim de tudo, a culpa
será da mãe que chegou de forma inadvertida e não do capiau que a fuzilou.
Paulo de Tarso F Castro.
* Este artigo foi publicado originalmente na Revista Fenacon -
Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Edição de maio/junho de 2010, páginas 26 e 27) e no Blog da Tron Informática, http://www.tron.com.br/blog/2010/05/o-jogo-do-contente-e-o-ambiente-corporativo/, em 3/5/2010)