Este texto me emocionou profundamente e, não tenho dúvidas, irá fazer o mesmo com você que, como eu, está aí na correria do dia a dia, buscando o que acha que é preciso, em detrimento do que é necessário.
Inspire-se!
Paulo de Tarso.========================================
Para quando eu me for...
- by @rafaelzoehler
Morrer é uma surpresa.
Sempre.
Nunca se espera.
Imagem Effecta Coaching |
Nem mesmo o paciente terminal acha que vai
morrer hoje ou amanhã. Na semana que vem talvez, mas apenas se a semana que vem
continuar sendo na semana que vem.
Nunca se está pronto. Nunca é a hora.
Nunca vamos ter feito tudo o que queríamos ter
feito.
O fim da vida sempre vem de surpresa, fazendo as
viúvas chorarem e entediando as crianças que ainda não entendem o que é um
velório (Graças a Deus).
Com meu pai não foi diferente. Na verdade, foi
mais inesperado. Meu pai se foi com 27 anos, a idade que leva muitos músicos
famosos. Jovem. Moço demais. Meu pai não era músico nem famoso, o câncer parece
não ter preferência. Ele se foi quando eu ainda era novo, descobri o que era um
velório justamente com ele. Eu tinha 8 anos e meio, o suficiente pra sentir
saudade pelo resto da vida.
Se ele tivesse morrido antes, não haveriam
lembranças. Nem dor. Mas também não haveria um pai na minha história. E eu tive
um pai.
Tive um pai que era duro e divertido.
Que me colocava de castigo com uma piadinha pra
não me magoar. Que me dava um beijo na testa antes de dormir. Hábito esse que
eu levei para os meus filhos. Que me obrigou a amar o mesmo time que ele e que
explicava as coisas de um jeito melhor que a minha mãe. Sabe? Um pai desses que
faz falta.
Ele nunca me disse que ia morrer, nem quando já
estava deitado cheio de tubos. Meu pai fazia planos para o ano que vem mesmo
sabendo que não veria o próximo mês. No ano que vem iríamos pescar, viajar,
visitar lugares que nenhum de nós conhecia. O ano que vem seria incrível. Eu
vivi esse sonho com ele.
Acho, tenho certeza na verdade, que ele pensava
que isso daria sorte. Supersticioso.
Pensar no futuro era o jeito dele se manter
otimista. O desgraçado me fez rir até o final. Ele sabia. Ele não me contou.
Ele não me viu chorar a sua perda.
E de repente o ano que vem acabou antes de
começar.
Minha mãe me pegou na escola e fomos ao
hospital.
O médico deu a notícia com toda a sensibilidade
que um médico deixa de ter com os anos. Minha mãe chorou. Ela também tinha um
pingo de esperança. Como disse antes, todo mundo tem. Eu senti o golpe. Como
assim? Não era só uma doença normal dessas que a gente toma injeção?
Pai, como eu te odiei. Você mentiu pra mim. Não
fiquei triste, pai, fiquei com raiva. Me senti traído. Gritei de raiva no
hospital até perceber que meu pai não estava lá pra me colocar de castigo.
Chorei.
Mas aí meu pai foi meu pai de novo.
Trazendo uma caixa de sapato debaixo dos braços,
uma enfermeira veio me consolar.
Dentro, dezenas de envelopes lacrados com frases
escritas onde deveriam ficar os nomes dos destinatários.
Entre as lágrimas e os soluços não consegui
entender direito o que estava acontecendo.
E então a mesma enfermeira me entregou uma carta.
A única fora da caixa.
“Seu pai me pediu pra
entregar essa pessoalmente e te dizer pra abrir. Ele passou a semana inteira
escrevendo tudo isso e disse que era pra você. Seja forte.” Disse a enfermeira com um abraço.
PARA QUANDO EU ME FOR dizia o envelope que
ela me entregou. Abri.
Filho,
Se você está lendo eu morri. Desculpa, eu sabia.
Não queria te dizer que ia acontecer, não queria te ver
chorar. Parece que consegui. Acho que um homem prestes a morrer tem o direito
de ser um pouco egoísta.
Bom, como eu ainda tenho muito pra te ensinar, afinal você
não sabe de nada, deixei essas cartas. Você só pode abrir quando o momento
certo chegar, o momento que eu escrevi no envelope. Esse é o nosso combinado,
ok?
Eu te amo. Cuida da sua mãe, você é o homem da casa agora.
Beijo, pai.
PS: Não deixei cartas para sua mãe, ela já
ficou com o carro.
[Foto: Angra Samuel] - Retirada de "O Blog do Mestre" |
E com aqueles garranchos, afinal naquela época
não era tão fácil imprimir como é hoje em dia, ele me fez parar de
chorar.
Aquela letra porca que uma criança de 8 anos mal
entendia (eu, no caso) me acalmou. Me arrancou um riso do rosto. Esse era o
jeito do meu pai de fazer as coisas. Que nem o castigo com uma piadinha para
aliviar.
Aquela caixa se tornou a coisa mais importante
do mundo. Proibi minha mãe de abrir, de ler. Mas elas eram minhas, só pra mim.
Sabia decorado todos os momentos da vida em que eu poderia abrir uma carta e
ler o que meu pai tinha deixado. Só que esses momentos demoraram muito pra
chegar. E eu esqueci.
Sete anos e uma mudança depois eu não tinha
ideia de onde a caixa tinha ido parar. Eu não lembrava dela. Algo que você não
lembra não faz falta. Se você perdeu algo da sua memória, você não perdeu.
Simplesmente não existe. Como dinheiro que depois você acha no bolso da
bermuda.
E então aconteceu. Uma mistura de adolescência
com o novo namorado da minha mãe desencadeou o que meu pai sabia que um dia
aconteceria. Minha mãe teve vários namorados, sempre entendi. Ela nunca casou
de novo. Não sei ao certo o motivo, mas gosto de acreditar que o amor da vida
dela tinha sido meu pai. Mas esse namorado era ridículo. Eu sentia que ela se
rebaixava pra ele. Que ele fazia pouco da mulher que ela era.
Que uma mulher como ela merecia algo melhor do
que um cara que ela tinha conhecido no forró.
Me lembro até hoje do tapa que veio acompanhado da palavra “forró”. Eu
mereci, admito. Os anos me mostraram isso. Na hora, enquanto a pele da minha
bochecha ardia, lembrei da minha caixa e das minhas cartas. De uma carta em
específico que dizia PARA QUANDO VOCÊ TIVER A PIOR BRIGA DO
MUNDO COM A SUA MÃE.
Corri para o quarto e revirei minhas coisas o
suficiente para levar outro tapa na cara da minha mãe. Encontrei a caixa dentro
de uma mala de viagem na parte de cima do armário.
O limbo. Procurei entre os envelopes. Passei por PARA QUANDO VOCÊ DER O PRIMEIRO
BEIJO e percebi que havia
pulado essa, me odiei um pouco e decidi que a leria logo depois, e por PARA QUANDO VOCÊ PERDER A
VIRGINDADE, uma que eu esperava abrir logo, logo. Achei o que procurava e
abri.
Pede desculpa.
Eu não sei o motivo da briga e nem quem tem razão. Mas eu
conheço a sua mãe. Então a melhor maneira de resolver isso é com um humilde
pedido de desculpas. Do tipo rabinho entre as pernas.
Ela é sua mãe, cara. Te ama mais do que tudo nessa vida.
Sabe, ela escolheu parto normal porque alguém disse que era melhor pra você.
Você já viu um parto normal? Pois é, quer demonstração de amor maior que essa?
Pede desculpa. Ela vai te perdoar. Eu não seria tão
bonzinho.
Beijo, pai.
Meu pai passava longe de um escritor, era
bancário, mas as palavras dele mexeram comigo. Havia mais maturidade nelas do
que nos meus quatorze anos de vida. O que não era muito difícil por sinal.
Corri para o quarto da minha mãe e abri a porta.
Já estava chorando quando ela, chorando também, virou a cabeça pra me olhar nos
olhos. Não lembro o que ela gritou pra mim, algo como “O que você quer?”, mas
lembro que andei até ela e a abracei, ainda segurando a carta do meu pai.
Amassando o papel já velho entre os meus dedos. Ela me abraçou de volta e
ficamos em silêncio por não sei quantos minutos.
A carta do meu pai fez ela rir alguns momentos
depois. Fizemos as pazes e conversamos um pouco sobre ele. Ela me contou umas
manias estranhas que ele tinha, como comer salame com geleia de morango. De
algum modo, senti que ele estava ali. Eu, minha mãe e um pedaço do meu pai, um
pedacinho que ele deixou naquele papel. Que bom.
Não demorou muito e li PARA QUANDO VOCÊ PERDER A
VIRGINDADE.
Parabéns, filho.
Não se preocupa, com o tempo a coisa fica melhor. Toda
primeira vez é um lixo. A minha foi com a puta mais feia do mundo, por exemplo.
Meu maior medo é você ler o envelope e perguntar da sua
mãe antes da hora o que é virgindade. Ou pior, ler o que eu acabei de escrever
sem nem saber o que é punheta (você sabe, não sabe?). Mas isso também não será
problema meu, não é mesmo?
Beijo, pai.
Meu pai acompanhou minha vida toda. De longe,
sim, mas acompanhou. Em incontáveis momentos suas palavras me deram aquela força
que ninguém mais conseguia dar. Ele sempre dava um jeito de me arrancar um
sorriso em um momento de tristeza ou de clarear meus pensamentos num momento de
raiva.
PARA QUANDO VOCÊ CASAR me emocionou, mas não tanto quanto PARA QUANDO EU FOR AVÔ.
Filho, agora você vai descobrir o que é amor de verdade.
Vai descobrir que você gosta bastante da sua mulher, mas que amor mesmo é o que
você vai sentir por essa coisinha aí que eu não sei se é ele ou ela. Sou um
cadáver, não um vidente.
Aproveita. É a melhor coisa do mundo. O tempo vai passar
rápido, então esteja presente todos os dias. Não perca nenhum momento, eles não
voltam mais. Troque as fraldas, dê banho, sirva de exemplo. Acho que você tem
condições de ser um pai tão incrível quanto eu.
Imagem da internet, retirada do Blog Litterai & Caos |
A carta mais dolorida da minha vida foi também a
mais curta do meu pai. Acredito que ele sofreu para escrever aquelas quatro
palavras o mesmo que eu sofri por ter vivido aquele momento. Demorou, mas um dia eu tive que ler
PARA QUANDO SUA MÃE SE FOR.
Ela é minha agora.
Uma piada. Um palhaço triste que esconde o choro
por trás do sorriso de maquiagem. Foi a única carta que não me arrancou um
sorriso, mas entendi a razão.
Eu sempre respeitei o combinado com meu pai.
Nunca li nenhuma carta antes do momento certo. Tirando PARA QUANDO VOCÊ SE DESCOBRIR GAY,
claro. Nunca acreditei que o momento de ler essa carta chegaria, então abri
muitos anos atrás. Ela foi uma das mais engraçadas, por sinal.
O que eu posso dizer? Ainda bem que morri.
Deixando as brincadeiras de lado e falando sério (é raro,
aproveita). Agora semimorto eu vejo que a gente se importa muito com coisas que
não importam tanto. Você acha que isso muda alguma coisa, filho?
Não seja bobo, seja feliz.
Sempre esperei muito pelo próximo momento. Pela
próxima carta. Pela próxima lição que meu pai tinha pra me dar. Incrível como
um homem que viveu 27 anos teve tanto pra ensinar pra um senhor de 85 como eu.
Agora, deitado na cama do hospital, com tubos no
nariz e na traqueia (maldito câncer), eu passo os dedos por cima do papel
desbotado da última carta. PARA
QUANDO SUA HORA CHEGAR o
garrancho quase invisível diz.
Não quero abrir. Tenho medo. Não quero acreditar
que a minha hora chegou. Esperança, lembra? Ninguém acredita que vai morrer
hoje.
Respiro fundo e abro.
Oi, filho, espero que você seja um velho agora.
Sabe, essa foi a carta mais fácil de escrever. A primeira
que eu escrevi. A carta que me livrou da dor de te perder. Acho que estar perto
do fim clareia a cabeça pra falar sobre o assunto.
O Gladiador - imagem da internet |
Nos meus últimos dias eu pensei na vida que eu levei. Na
minha curta vida, sim, mas que me fez muito feliz. Eu fui seu pai e marido da
sua mãe. O que mais eu poderia querer? Isso me deu paz. Faça o mesmo.
Um conselho: não precisa ter medo.
PS: Tô com saudade.
Aproveite melhor sua vida,
viva-a intensamente, faça coisas de valor, deixe um legado! Seja uma pessoa de
valor!